
Em um movimento polêmico de ampliação de benefícios à magistratura, pelo menos 19 tribunais de Justiça em todo o Brasil já aderiram à Resolução 528 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que permite aos juízes acumular até 120 dias de folga anuais, além dos 60 dias de férias previstos. O novo direito, intitulado licença compensatória, foi instituído pelo CNJ em 20 de outubro de 2023 sob a presidência de Luís Roberto Barroso, atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), para equiparar os direitos dos magistrados aos do Ministério Público.
A licença é concedida a juízes que acumulam funções, como a presidência de turmas e sessões, ou que enfrentam acúmulo de processos. A resolução limita o uso do benefício a até 10 dias de folga por mês, e a licença pode ser convertida em pagamento indenizatório caso o juiz opte por não usufruir do tempo de folga. Como se trata de uma indenização, o benefício não incide no cálculo do Imposto de Renda e não está sujeito ao teto salarial constitucional do serviço público, hoje fixado em R$ 44.008,52 – o equivalente ao salário de um ministro do STF.
A regulamentação deste benefício pelo CNJ segue a esteira de uma decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que em janeiro de 2023 alterou a forma de compensação dos membros do Ministério Público da União (MPU), convertendo a gratificação por exercício cumulativo em folgas indenizáveis. Conforme o CNJ, o objetivo é assegurar a “simetria constitucional” entre as duas carreiras.
Impacto financeiro e críticas
Segundo levantamento da Transparência Brasil, ONG que monitora a integridade e os gastos do poder público, a licença compensatória já custou ao menos R$ 284 milhões aos cofres públicos até maio de 2024. Esse montante pode ser subestimado, devido à falta de padronização na forma como o benefício é registrado nos contracheques dos magistrados. No caso do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), que adotou o benefício antes mesmo da resolução do CNJ, a despesa mensal com essa licença passou de R$ 3,5 milhões para R$ 21,3 milhões – um aumento de seis vezes no valor.
A Transparência Brasil criticou duramente o benefício em um relatório publicado em dezembro, destacando o uso do “princípio da simetria” entre Judiciário e Ministério Público como uma justificativa para transformar gratificações remuneratórias em licenças indenizatórias, o que permite que os valores fiquem fora do teto constitucional. A organização recomendou que o Congresso e órgãos de controle orçamentário estabeleçam barreiras para evitar a criação de benefícios sem prévia análise de impacto fiscal, especialmente diante de uma crise de contenção de gastos públicos.
A adesão nos tribunais estaduais
Dentre os tribunais que já aderiram à licença compensatória estão os Tribunais de Justiça do Distrito Federal, do Espírito Santo, do Rio de Janeiro, da Bahia e do Maranhão, entre outros. Alguns estados, como o Paraná e Mato Grosso do Sul, começaram a oferecer a licença ainda antes da decisão do CNJ, por meio de projetos de lei e resoluções próprias. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), que adotou a licença em julho de 2024, justificou a medida como um “instrumento para aumentar a produtividade” dos magistrados.
A questão da simetria: Justiça e Ministério Público
O princípio da simetria, que tem orientado a equiparação de direitos entre magistrados e membros do Ministério Público desde a Resolução 133 do CNJ em 2011, é um dos fundamentos do novo benefício. Segundo a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), essa medida representa o “cumprimento de um preceito constitucional” de equiparação entre as carreiras, destacando que o Conselho de Justiça Federal (CJF) já havia adotado a licença para juízes federais em outubro de 2023.